Viu-se gelada por fora
Aqueceu-se por dentro
Viu-se gelada por fora
Aqueceu-se por dentro
Um menino soltou uma gargalhada
Iluminou-se-lhe a alma
Um pássaro azul cantou
Ela pôs-se a dançar
(imagem daqui)
Caiu chuva na varanda
Descalçou-se e deixou-se molhar
Maria da Luz começara a juntar as letras com três anos. Um dia, sentada à mesa, enquanto os pais se entretinham a falar de como fora o seu dia, exclamou: “Aceite virgem Galo!”
A mãe riu-se e
perguntou “– Oh, Milú, o que é isso? Azeite?”
“Ali, mãe! Diz ali, na
garrafa de aceite!”, ripostou a
criaturinha de 95 centímetros e caracóis loiros, de dedo espetado para o rótulo
da garrafa que repousava na mesa, junto do seu prato.
“Oh, Milú, lê aqui
isto!”, pediu o pai, mostrando-lhe a impressão numa caneta que retirou do bolso da camisa.
“Escola de Ano Bom”,
leu a pequenina.
Nessa noite, sentada
na cama entre o pai e a mãe, leu uma página inteirinha do Capuchinho Vermelho.
A cabeça ornada por
uma longa cabeleira loira parecia não se mover há horas. Na ampla sala da
biblioteca, apenas aquela mulher lia com tanta concentração. O seu registo era,
de longe, aquele em que mais entradas constavam. Havia romances, biografias,
poesia, História e, no início, contos de fadas e de aventuras. Milhares de
livros, milhares de milhões de palavras!
Só na hora de
encerrar, a bibliotecária, estranhando a demora da leitora, se aproximou,
verificando que os cabelos loiros se espalhavam pela mesa, cabeça e mãos
caídas, o livro derradeiro a amparar-lhe a face pálida.
Consta que o coração lhe quis dar um fim naquela sala. Diz-se, também, que houve um ruído imenso de palavras sussurradas quando lançaram as suas cinzas no jardim da Biblioteca, levantando uma revoada de pássaros, numa desgarrada de chilreios.