Há algum tempo que se abrigara no espaço quarto, sala,
cozinha. Os ecrãs tornaram-se a ligação ao trabalho, à cultura, às pessoas. Tudo
lhe parecia estranho, anódino. Para além de que, as pessoas tinham o estranho
hábito de se esconderem por detrás de avatares. Deu-lhe para analisar os ditos,
numa das reuniões intermináveis (essas, continuavam a arrastar-se, tal como as
presenciais, com os discursos repetidos, empolados e narcisistas do costume).
O Dr. Reinaldo de Matos, de rosto pálido e boca cerrada, sempre
enfatiotado e com o cabelo cuidadosamente alinhado, aparecia com um boneco
bronzeado, cabelo ondulado e crespo e uma t-shirt preta; a Dr.ª Susana, da
contabilidade, a morena de rabo-de-cavalo dos fatinhos pretos, azuis, ou
castanhos, óculos transparentes e sapatos de meio tacão, estrelava um loiro
platinado, óculos escuros e uma blusa verde alface com folhos; por último, a
Ritinha! Ah, a Ritinha costumava rir-se da Dr.ª Susana a toda a hora. Ai que
direitinha, ai que passadinha a ferro, ai que óculozinhos sem sal! Pois não é
que o seu avatar é uma rapariga loira, de rabo-de-cavalo, com blusa branca e
fato saia e casaco preto?
Só o José, das compras, lhe fazia companhia com a câmara
ligada. Grande José!
Será que ele também ouve o "Va Pensiero"?
(Coro virtuale "Va pensiero" ("Nabucco" di G. Verdi) - International Opera Choir)