Para a Maria Eu Porque los pájaros nacidos en jaula creen que volar es una enfermedad, de más en más hay pájaros rogando porque los metan en una jaula.
O palco era um velho amigo. Entre ela e ele não havia segredos. Crescera a praticar o equilíbrio corporal, a projecção da voz, a encarnação das personagens. Horas a fio, fora de tudo um pouco: mulher e amante; pobre e rica; doce e amarga; dócil e rebelde...
Cansada, era cansaço o que sentia, desse jogo de sol e sombras, de nunca ser ela, sendo sempre outras.
Tinha feito a actuação final. Não
haveria mais diálogos, monólogos, público, palmas... Descalçou os
sapatos vermelhos ainda sob a luz intensa do holofote. Pés nus,
coração descompassado, subiu as escadas como uma sonâmbula. De lá
de cima conseguia ver a mancha vermelha iluminada. Fechou os olhos e
voou.
(Zbigniew Preisner, Lisa Gerrard, Dominik Wania - Melodies of my youth)
Augusta subia a ladeira íngreme a custo, a mão direita a
afagar os rins por cima da blusa de seda bege.
Entre dentes, desfiava um rol de pragas.
“Rais partam as malditas pedras mais quem se lembrou de mandar
calcetar tão mal o diabo do caminho! Havia de se estrepar todinho cada vez que aqui
passasse!”
Chegada à eira da casa grande, parou um pouco para
regularizar a respiração e limpar o rosto suado com um lenço da mão. O lenço,
de cambraia branca bordada, não merecia tal destino, mas do bolso daquela saia plissada preta, que habitualmente usava para ir à missa, só se esperava saíssem coisas finas.
Bateu palmas, enquanto gritava: “Oh, da casa! Oh, da casa!”
Bem que sabia haver uma campainha, toda moderna, na porta
verde, ao cimo das escadas. Mas se esperavam que subisse mais uma vintena de
degraus depois da ladeira, deviam estar doidos!
Ouviu uma voz respondendo, lá de dentro, “Já vai! Já vai,
senhora!”
Uma cabeça de homem, ornada de farta e desordenada
cabeleira branca, assomou à porta, apenas entreaberta.
“Augusta! És mesmo tu?” Havia espanto nas palavras.
“Sou eu, pois, seu velho covarde! Vim dizer-te que podes
morrer em paz que eu, Augusta da Conceição, perdoo-te teres-me abandonado no
altar, naquele dia 15 de Agosto de 1960!”
E foi assim, sem mais, que Augusta deu o recado e, de
imediato, voltou a descer por onde viera, repetindo baixinho “Pronto! Pronto!
Agora podemos morrer os dois descansados!”
A aldeia acordou, no dia seguinte, com o toque a finados dos sinos. Augusta da Conceição e António Carriço tinham morrido durante a noite. Os sinos que não tinham repicado pelo seu casamento, faziam-no agora, que a morte os juntara.
(Hélène Grimaud - Mozart: Piano Concerto No. 23: II. Adagio)
Há em mim tanto de ti que me olho ao espelho e te vejo. Há
um mundo de palavras escritas em qualquer lugar, desde um semáforo à minha
cama. Há um cheiro intenso ao teu perfume que, de quando em vez, parece perfumar os meus
pulsos. Há uma queimadura na pele, dos teus lábios em beijos ardentes. Há um
brilho nos olhos, do reflexo do brilho dos teus. Há a vontade imensa de
encostar a cabeça no teu peito e, simplesmente, não dizer nada, só sentir-te
respirar.
(Etta James & B. B. King - There's Something on Your Mind)