A dor
instalara-se há tempos. Insidiosa, como se fora composta de inúmeras
agulhas finas a espetarem-se-lhe na carne. Curiosamente, onde mais a
sentia era no coração.
Começou a costurar-se, ponto a ponto, mas
lá, onde a dor era maior, não havia pesponto que chegasse.
A igreja afigurava-se-lhe bem mais pequena do que nas suas lembranças. Havia um cheiro doce e intenso a flores murchas embora as do altar da Nossa Senhora de Fátima se mostrassem exuberantes de frescura, talvez porque fosse Maio.
Pesava-lhe a memória da sua infância, menina de vestido rodado e laçarotes no cabelo loiro em caracóis, encostada à mãe nas longas missas precedidas de terço. Naquele tempo, as senhoras mais abastadas tinham uma cadeira mais confortável, comprada por elas, e era a menina que se sentava nela, só dando lugar à mãe aquando do acto de ajoelhar.
Espantou-se ao verificar que ainda havia divisão entre homens e mulheres. Tal como no passado, os homens ocupavam os lugares próximos do altar-mor, num nível superior, separado por um degrau, enquanto as mulheres, as crianças e alguns, poucos, homens mais jovens ficavam no nível inferior.
Maria Antónia sentara-se no primeiro banco do nível inferior, como lhe competia, imersa na dor da perda recente. O silêncio da espera pelo padre deixava ouvir a queda de uma ou outra rosa acastanhada pelo apodrecimento e do voo de uma mosca varejeira que entrara pelas portas abertas de par em par.
Estremecia a cada cara reconhecida. A Zefa do Marinho, com quem brincara às casinhas no recanto da despensa; o Sr. Adelino, que lhe pegara tantas vezes ao colo para melhor chegar às cerejas rubras do quintal; a Zita, a quem tinha ouvido falar pela primeira vez de beijos na boca, ...
Não se conteve e chorou. Desabaram todas as lágrimas que tinha sufocado há dias e sentiu que, de certa forma, regressara a casa.