Vinha-lhe a urgência da fuga. Havia a rotina, enfadonha, das horas cheias de minudências, de ruído, de pessoas com rosto mas sem nome. Ansiava por Agosto, pelas manhãs mais longas de sono, pelo sol a morder-lhe a pele branca, pelos pés na erva, os pêssegos vermelhos e lisos colhidos directamente do pessegueiro, as uvas pintadas de negro na espera de Setembro.
Estranhamente, nesses dias lânguidos em que apenas os trinados dos pássaros e um ou outro cão ladrando perturbavam a leitura adiada de obras escolhidas com o cuidado de onze meses, nesses dias, sentia uma inesperada inquietude, uma falta da voragem em que julgara afundar-se sem salvação.
Sentou-se na esplanada onde sempre regressava a cada Verão. O sol punha um brilho particular no rio que se espraiava logo ali, com mansidão, abrigando famílias inteiras de patos bravos e um ou outro esquife em remadas rápidas. A incursão rápida e inesperada de um menino, em correria desenfreada na perseguição de um Fox Terrier, fez perigar a paz dos veraneantes, tendo alguns saltado das cadeiras para formarem uma barreira entre o pequeno e o empedrado que ladeia a água. A tranquilidade foi restaurada, se bem que não tardou um ruído irritante de buzinas. Inquietaram-se de novo os que repousavam frente às chávenas de café e às bebidas frescas. Um cortejo automóvel seguia, devagar, um Mercedes Benz antigo (o modelo não sei dizer, já que não sou dada a esses detalhes), descapotável, de onde esvoaçavam fitas e véus. Pararam mesmo ali, que o chafariz é ponto de honra nas fotos de casamento, e a noiva, (des)ajudada por três raparigas vestidas de azul forte, em equilíbrio periclitante nuns sapatos de salto agulha, eclodiu do casulo de tule, qual borboleta, desembaraçando-se do véu. O noivo... Bem, o noivo não teve ajuda e, ao tentar sair com elegância, tropeçou aparatosamente no longo véu pousado no banco.
"Começas já a cair?", diz a noiva em voz estridente. "A culpa foi tua!", grita o noivo, ainda a levantar-se e a sacudir o fato cinzento. Abriu a carteira, pegou numa moeda de um euro e poisou-a na mesa para pagar o café. Era Agosto! Afinal, tocava ao longe uma concertina e estava de férias. Sorriu.
Primeiro a estranheza. Aquele som estridente a ecoar no quarto, a luz ainda tímida, a entrar pelas frinchas da persiana. Depois, olhos abertos, sentidos já a despertar do torpor do sono, o mesmo som. Gaivotas! A mais de 30 quilómetros do mar, na cidade praticamente deserta dos seus e invadida por estranhos, as gaivotas faziam uma festa e lembravam-lhe que era tempo de ir ver o mar.