Escreveu-lhe uma carta. Nunca gostara de escrever, muito menos cartas. Saíam-lhe sempre palavras em atropelo. Estranho, como quando falava tinha um discurso tão articulado e, ao correr da pena, era como se houvesse um travão nos seus dedos. Ainda assim, escolheu um papel amarelo com linhas (tinha que ter linhas porque senão nunca acertaria na direcção certa, ora subindo, ora descendo, num desencontro absurdo), uma esferográfica preta de ponta fina, sentou-se à secretária e começou:
Hoje, esteve um calor tórrido. Lembrei-me das nossas férias na praia. De vez em quando lembro-me desses meses de Verão, em que tudo parecia tão simples. Ou era mesmo tudo simples? Sabes, aquele vestido laranja com cintura descaída e alças finas que costumavas usar ao Domingo? Fiz um igual. Visto-o em casa, quando a saudade aperta e o mar está tão longe que nem sequer há gaivotas a cruzar o céu. Vai parecer-te bizarro, eu sei, mas continuo a usar manteiga de cacau na pele. Não para me proteger do sol, como antigamente (torrávamos, isso sim, com aquela gordurazinha, no calor), mas para sentir o cheiro da adolescência descuidada e feliz. Isto tudo para te dizer que me faltas. Faltas-me tanto que me dói, bem ali, sob a pele, do lado esquerdo do peito.