domingo, novembro 30, 2014

Osmose

(Claire Streetart)

"Um beijo muda tudo muda o quê. Diga-se que ter beijado aquela pessoa, e estar perto de chamar-lhe agora «aquela pessoa», mudava tudo num momento, diga-se então como é que foi:
Foi a minha vida a girar ao contrário, ter tocado no fundo noutro corpo, tê-la ouvido falar de mim como se falasse de si das suas próprias forças - o pássaro do paraíso batendo asas ao contrário, um retorno inesperado à hora antiga em que deuses e demónios não se reconheciam nem como imagem uns dos outros. 
Não havia espelhos que me ajudassem agora, estava tudo reflectido, a minha vida não ia ser feita para me amparar, eu tinha amparado a cabeça noutro ombro, e nunca mais seria o mesmo.
«Não fiz camadas do meu ser só para ti.» Mas parecia que era isso."

Retirado de Osmose, conto de Sérgio Godinho, no seu novíssimo livro "Vidadupla", título escrito assim, as duas palavras juntas, como as duas vidas que, afinal, são uma só. Diz o Sérgio que a escrita é musical. Tem que ser musical, como dizia Cèline, ter "la petite musique".


sábado, novembro 29, 2014

Cansaço...muito.



(Isabel Barranco)

Tantas vezes que estes braços se ergueram a agitar bandeiras.
Tantas vezes que esta garganta enrouqueceu a gritar palavras de ordem.
Estão cansados, os braços.
Está ferida, a garganta.


sexta-feira, novembro 28, 2014

Alinhamento de estrelas




As minhas estrelas, sou eu que as alinho. Não há alinhamento em que não pegue nelas e as disponha nessa caixa de puzzles que é a vida. Há, porém, algumas delas que, renitentemente, se me escapam dos dedos.



quinta-feira, novembro 27, 2014

Marcas




Ocupo-me com tudo menos o que fica na resma do trabalho, ali ao lado, na secretária de madeira que, reparo agora, tem marcadas palavras e palavras sobrepostas. Sempre me repreendia, o professor de Desenho, por carregar demasiado no lápis. "Maria, não carregues assim no lápis, menina! Parece que estás zangada! Não vês que, a enganares-te, vão ficar marcas, mesmo que apagues esses traços fundos?" Ficavam sempre assim, os meus desenhos, marcados pela força, pela sofreguidão posta em cada linha, em cada detalhe.
Já não desenho. Continuo a usar da força e da sofreguidão. Continuo a não ser capaz de apagar as marcas.

quarta-feira, novembro 26, 2014

Entrega

(Howard Kanovitz)

Arrebatamento

Arrebatamento é
o meu corpo,
terra cultivável,
quando o lavras,
plantas, regas
Quando colhes
o fruto mais fundo,
carnudo e doce
Quando o tomas
e o proclamas teu. 

Maria Eu

 

terça-feira, novembro 25, 2014

Destino 3


Se o caminho é demasiado longo, quando terminares de o percorrer é possível que tenhas esquecido o porquê de o teres feito.



segunda-feira, novembro 24, 2014

Negro


(Mario Donizetti )
Miro las herramientas,
El mundo que los hombres hacen, donde se afanan,
Sudan, paren, cohabitan.

El cuerpo de los hombres prensado por los días,
Su noche de ronquido y de zarpazo
Y las encrucijadas en que se reconocen.

Hay ceguera y el hambre los alumbra

Y la necesidad, más dura que metales.

Sin orgullo (¿qué es el orgullo? ¿Una vértebra
Que todavía la especie no produce?)
Los hombres roban, mienten,
Como animal de presa olfatean, devoran
Y disputan a otro la carroña.

Y cuando bailan, cuando se deslizan
O cuando burlan una ley o cuando
Se envilecen, sonríen,
Entornan levemente los párpados, contemplan
El vacío que se abre en sus entrañas
Y se entregan a un éxtasis vegetal, inhumano.

Yo soy de alguna orilla, de otra parte,
Soy de los que no saben ni arrebatar ni dar,
Gente a quien compartir es imposible.

No te acerques a mi, hombre que haces el mundo,
Déjame, no es preciso que me mates.
Yo soy de los que mueren solos, de los que mueren
De algo peor que vergüenza.

Yo muero de mirarte y no entender.


Rosario Castellanos




Olho o mundo e estranho-o. Que espécie de homem o habita, o constrói, em arroubos de grandeza e de loucura?

Destino 2

(Ludovic Florent)



Quem, nos meus (a)braços, se neles não desembocarem os teus passos?


domingo, novembro 23, 2014

sexta-feira, novembro 21, 2014

Sombrear

(Michal Lukasiewicz)

Diz-me Cecília, em secreto desabafo:
-Não me apeteço, hoje! Desgostei-me! Não quero mais ver os traços arredondados da cara ou as maçãs salientes do rosto quando sorrio, nem os olhos castanhos que teimam em brilhar ou escurecer mostrando os sentimentos mais recônditos. Vou alisar as rugas de expressão que enquadram os meus lábios de tanto cerrá-los, em silêncio.Vou sombrear-me, é isso! 


Hoje, não pude ficar em casa e foi pena

(Victoria Selbach)

Hoje, não pude ficar em casa, sabes? Mas ficaria e poderia, até, viver o dia inteiro com nomes e verbos começados por "l", tais como: lareira, livro, Lisa (Ekdahl), ladinice, língua, lábios, laboriosidade, lingerie, lambrusco, lasanha, lambarice, lambuzar, loucura, lascívia, lentidão, languidez. 

Instruções para um uso apropriado e satisfatório de todos os nomes e verbos:

Acende-se a lareira, põe-se um cd da Lisa Ekdahl a tocar, abre-se um bom livro, olha-se o outro com ladinice, passa-se a língua pelos lábios usando da máxima laboriosidade, enquanto se deixa entrever a lingerie rendada, bem no topo da coxa. Vai-se buscar um lambrusco e a lasanha que está pronta no forno. Come-se, lambuzando-se todos, numa voraz lamabarice e é então, só então, que, acometidos de loucura, soltam a lascívia que os invade.
No final, aninhadas no sofá, ficam a lentidão das carícias e a languidez do cansaço.



quinta-feira, novembro 20, 2014

Descompasso

(Paolo Romani)

Dou por mim, meu amor, a respirar mais devagar. Respirar mais lentamente talvez faça durar mais cada momento, como se fora num filme. E a cada vez que abrando o sopro que em meu peito habita, ficas aqui, no centro dele, deste peito onde bate um coração descompassado.

quarta-feira, novembro 19, 2014

Hoje, fiquei em casa

(From Shirley – Visions of Reality (2013) by Gustav Deutsch. Photograph by Jerzy Palacz, recreating Edward Hopper's Morning Sun)

Hoje, não pude sair de casa, sabes? Havia coisas a  ser feitas, movimento de gente atarefada debaixo de guarda-chuvas coloridos, filas de trânsito com  condutores desesperados a fazerem ecoar as buzinas (não sei porque teimam em fazê-lo, já que não é jeito de mover os carros parados, só originando crises nervosas em quem espera). Os meninos do Jardim de Infância cantaram muito, durante a manhã. Já estão a ensaiar cânticos de Natal e alguns choram, quando se enganam (será que julgam haver castigo e o Pai Natal poder desviar o Rudolfo da rota da sua chaminé se desafinarem?). O vizinho de cima continua apaixonadíssimo, a ouvir música romântica que acompanha em altos gritos, terminando cada canção com o nome da sua amada, fique, embora, deveras estranho Tom Waits a entoar "But I'm about to give this one more shot And find it in myself I'll find it in myself", seguido de um histriónico "Oh, Carolinaaaaaa!" O carteiro, que por acaso é uma carteira (não consigo habituar-me a dizer "carteira" nem "presidenta") veio entregar uma encomenda. Era para a vizinha do lado e lá assinei o papelito, não vá a senhora ter que se deslocar às instalações dos CTT que são longe que se farta e ela (a vizinha) até é simpática e já me tem desenrascado naquelas faltas de ovos ou de açúcar (como nos filmes, já se vê).
Mas o que é que eu te queria mesmo dizer? Ah, já me lembro! Hoje, não pude sair de casa. 



terça-feira, novembro 18, 2014

Rebelde

(Jane Eyre - Robert Stevenson, 1943)

Não levantarás a voz contra a autoridade!
Toda a rebeldia será castigada!

Não me vergarei à autoridade excessiva e cega!
Suportarei o castigo sem soçobrar!




segunda-feira, novembro 17, 2014

Deus é um girassol

(Van Gogh)


Um girassol se apoderou de Deus: foi em 
Van Gogh.

Manoel de Barros



Deus (gira)Sol.

domingo, novembro 16, 2014

Coração



Sentiu uma dor repentina. No ecrã do telemóvel, uma mensagem: Dói-me o coração no teu peito.

sábado, novembro 15, 2014

Namoro de pardais


Há uma nespereira a crescer em frente à janela do meu quarto. Dou-me conta de como o tempo passou pela grossura do tronco, o tamanho dos ramos, as folhas largas que teimam em agarrar-se, mesmo durante as chuvadas intensas de Inverno. Já não sei dizer se são perenes, as folhas, só me lembro de as ver ali, uma mancha verde que se pincela de branco na época de floração e de amarelo quando as nêsperas amadurecem.
Os pardais fazem verdadeiras raves no amarelo dos frutos com um nunca mais acabar de trinados e voos em corropios doidos. Às vezes, alguns param num ramito mais afastado e ficam ali, a debicar-se, num namoro descarado.

De que falava eu, mesmo? Ah! Da nespereira! Mas que disparate! O castanheiro é que devia ser tema, já que este não é o tempo das nêsperas e sim o das castanhas.


sexta-feira, novembro 14, 2014

Sobre o Domingos e os sonhos



Ficam aqui, na minha frente, uns absortos e concentrados, outros agitados e a olhar em todas as direcções. Recuo uns anos, uns bons anos. Como foi quando comecei? Tão próxima deles, ainda. Vinte e dois anos. Sofri. Sofri por estar na frente deles, sozinha, sem rede. Sofri com eles, por eles, quando os via chegar encharcados, sem agasalho, mãos roxas... Alegrei-me com eles, por eles, quando escreviam um texto fantástico, criativo, ainda que com erros vários, quando iam além do expectável. 
O Domingos, em particular, tinha sempre o mundo nos olhos. Às vezes, também tinha o mundo na boca e não parava de falar... Era esse mundo que  lhe escorria das pontas dos dedos quando escrevia. Trazia os textos e deixava-os na minha mesa, com um sorriso envergonhado. "Corrige, professora?"
Corrigi. Corrigi naquele ano, em que o Domingos tinha 14 anos, e continuei a corrigir durante alguns anos, ainda. Não havia internet e era pelo seu pé que mos trazia, a casa, sempre animado pela esperança de, um dia, mesmo com erros (há revisores, ora) publicar em forma de imprensa.
Guardo alguns destes textos, batidos numa máquina antiga, dedicados pelo seu punho, "À Maria, com amizade e gratidão".
Não é jornalista, o Domingos, mas ainda lhe brilham os olhos quando nos encontramos e confessa que um dia, quem sabe um dia...

quinta-feira, novembro 13, 2014

Isso faz-se, Manoel?

(Manoel de Barros, por Daniel Lesma)

Isso faz-se, Manoel?

Enlouqueces o verbo, fazes Van Gogh pôr Deus num girassol e os meninos transportar água numa peneira para agora ires embora, Manoel?!
Se encontrares a Elis, diz-lhe que escolhi uma canção dela para a tua partida. Só podia ser brasileira e alegre, a canção, né?


Manoel de Barros (1916-2014), poeta que tocará para sempre o coração da(s) gente(s).

quarta-feira, novembro 12, 2014

Como matar um pato

(David Anthone)

Maria Rita costumava conversar com os patos. Nunca conseguira matar um. Bem que Celina lhe dizia: "É fácil! Não vês que o animal não pensa? Mete-se-lhe a faca no pescoço e pronto, aí vai!"
Naquele dia, resolveu experimentar. "Olhem só do que fui capaz!", disse aos patos, erguendo o alguidar com a cabeça de Celina.


Nota: Nunca matei um pato. Também nunca matei uma Celina!

terça-feira, novembro 11, 2014

Chuva miúda

 
(Tuula Narhinen)

De quando em vez, cai aquela chuva miudinha, que nunca molha muito mas castiga o cabelo e fica em gotículas espalhada pela roupa, estilhaços de vidro daqueles pratos que nunca se partem em pedaços afiados mas que se partem na mesma, desfazendo-se em pequenos fragmentos. Brilham, mesmo em dias cinzentos, essas gotículas, lembrando que estão lá, que chove, ainda que não haja tempestade. Não penetra a roupa, de leve, mas aguça os nervos na sua insignificância que não é completamente ignorável nem particularmente relevante.



segunda-feira, novembro 10, 2014

O meu amor

(Pablo Picasso)

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca
Quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada, ai

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos
Viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes, ai

Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
Que me deixa maluca
Quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba malfeita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios
De me beijar os seios
Me beijar o ventre
E me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo
Como se o meu corpo fosse a sua casa, ai

Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz


Chico Buarque




E é assim que o amor, sem aviso prévio, nos toma de assalto e nos deixa rendidos.

domingo, novembro 09, 2014

O verbo enlouquecido

(Adi Bezalel)



No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava no começo, lá

onde a criança diz: Eu escuto a cor dos

passarinhos.

A criança não sabe que o verbo escutar não

funciona para cor, mas para som.

Então se a criança muda a função de um

verbo, ele delira.

E pois.

Em poesia que é voz de poeta, que é a voz

de fazer nascimentos

— O verbo tem que pegar delírio.



Manoel de Barros


 
Tristes, aqueles que não ouvem a cor dos pássaros!
Tristes, aqueles que são cegos às vozes dos poetas!
Felizes, os que (re)inventam o verbo e o vestem de loucura!

sábado, novembro 08, 2014

Gente que é gente


(Ana Hatherly)

Essa Gente

O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente

Gente que não seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente

Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente

Gente que enterre o dente
que fira de unha e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente

O que é preciso é gente
que atire fora com essa gente

Essa gente dominada por essa gente
não sente como a gente
não quer
ser dominada por gente

NENHUMA!

A gente
só é dominada por essa gente
quando não sabe que é gente


Ana Hatherly, in "Um Calculador de Improbabilidades"




Tanta gente, gente sem dente que, afinal, nem sequer é gente!

sexta-feira, novembro 07, 2014

Sophia - 95 anos e 15 minutos


(Sophia, por Eduardo Gajeiro)


Para atravessar contigo o deserto do mundo


Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para enfrentarmos juntos o terror da morte

Para ver a verdade, para perder o medo

Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo

Minha rápida noite meu silêncio

Minha pérola redonda e seu oriente

Meu espelho minha vida minha imagem

E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro

Sem espelhos vi que estava nua

E ao descampado se chamava tempo

Por isso com os teus gestos me vestiste

E aprendi a viver em pleno vento



Sophia de Mello Bryner Andresen






Despida de mim visto-me de ti

Dos teus dedos o afago, do teu corpo o agasalho

Do embalo dos teus braços se faz o meu leito


Maria Eu


quinta-feira, novembro 06, 2014

Janela

Todos os dias a via, olhar perdido no horizonte, debruçada na janela. Nos lábios, um leve sorriso, contradizendo a tristeza reflectida no olhar.

(Salvador Dali)

Como podemos esperar

Como podemos esperar.
Aguardar o que nossas mãos possam reter.
Uma palavra. O olhar cúmplice. Se as coisas
têm já o estado do vento
o que nas ruas fica das vozes ao fim do dia.

(...)

como podemos esperar uma noite de lua e vento?

João Miguel Fernando Jorge, in "Direito de Mentir"



quarta-feira, novembro 05, 2014

Óculos de sol

(Flora Borsi)

Havia, na claridade daquele olhar, um mundo inteiro onde só apetecia entrar. Fechou os olhos, tacteou o interior da bolsa até sentir a forma ovalada e a textura levemente rugosa da caixa dos óculos de sol, retirou-os de dentro dela e, sempre de olhos fechados, pô-los, não fossem aqueles olhos levá-la por caminhos demasiado luminosos, cegando-a.


segunda-feira, novembro 03, 2014

Como escolher um rei


Era uma vez um país distante governado por uma rainha sem consorte. O povo já se agitava vendo-a sozinha e os seus mais próximos conselheiros cedo a avisaram que seria sensato escolher marido. Decidiu, então, a rainha, mandar chamar dois cavaleiros que muitas espadas tinham traçado em seu nome.Viriam no mesmo dia, à mesma hora, e responderiam a uma e mesma pergunta.
Cruzaram o portão do castelo no dia marcado, logo que a alba despontava. D. Pedro luzindo traje de gala, cavalgando um puro sangue árabe, ajaezado de ouro e rubis. D. José vestindo roupagens simples, em montada garbosa mas discreta, sem arroubos de riqueza nos arreios.
Já os esperava a rainha, no seu trono de mámore negra, sorrindo, engalanada num vestido encarnado, sem outras jóias que os seus olhos brilhantes e sagazes. Ajoelharam a seus pés, os dois, e só se levantaram quando ouviram a voz firme da soberana dizer:
"-Senhores, levantai-vos! Não estejamos com mais delongas! Ireis, então, responder-me a uma e mesma pergunta: Em sendo meu marido, como me irieis querer na noite de nossas núpcias? Nua ou vestida?"
D. Pedro sorriu, garboso, e logo disse: "-Saiba Vossa Alteza que vos quereria seminua. Assim, poderieis escolher mostrar as vossas virtudes e esconder os vossos defeitos, como rainha que sois."
Houve um breve silêncio antes que D. José se decidisse a falar. Quando, finalmente, o fez, respondeu: "-Senhora, fosse eu a partilhar dessa noite, querer-vos-ia nua. Só nua poderieis mostar vossos defeitos e vossas virtudes como mulher, pois que minha Rainha já vós sois."

E foi assim que D. José se tornou rei.




sábado, novembro 01, 2014

Da estrela do teu corpo


(Lucas Lai)


L'étoile a pleuré rose...

L'étoile a pleuré rose au coeur de tes oreilles,
L'infini roulé blanc de ta nuque à tes reins ;
La mer a perlé rousse à tes mammes vermeilles
Et l'Homme saigné noir à ton flanc souverain.


(Rimbeau)


 A estrela chorou rosa...

A estrela chorou rosa bem no centro das tuas orelhas,
O infinito deslizou, branco, desde a nuca até aos rins;
O mar orlou de pérolas ruivas as tuas mamas vermelhas
E o Homem sangrou negro,  a teu lado, soberana. 

(Tradução livre de Maria Eu)