quarta-feira, fevereiro 10, 2016

Pão


(Gerard Sekoto)



Era menina, não mais do que seis anos. Mal aprendera a ler e só desenhava umas poucas palavras. As tardes alongavam-se em correrias pelos campos, jogos de macaca, esconde-esconde... Para ela, as mães eram todas donas de casa e os pais uns senhores muito sérios que iam ganhar dinheiro para a mulher e os filhos comprarem comida, roupa e outras coisas, poucas, como um brinquedo na festa da vila, ou um gelado num ou outro Domingo.
Meninos e meninas, faziam uma roda e punham as mãos da costas para cima, prontas para serem penicadas.

"Pico-pico, sarrubico
vai ao mar buscar sardinha,
para o pobre do Luís.
O Luís, não a quis,
deu-lhe um murro no nariz,
salta a pulga da balança,
dá um pulo, até à França.
Os cavalos a correr,
as meninas a aprender
qual será a mais bonita.
Que se vai esconder?"


Logo corria a esconder-se aquele em cuja mão terminasse a lengalenga, continuando a brincadeira até se fartarem.

Descobriu, no dia em que a Susana chegou à rua com os olhos vermelhos de chorar, que nem todos os pais ganhavam dinheiro para comida, roupa e outras coisas, ainda que poucas. Nesse dia, a Susana disse que tinha fome e que o pai, zangado por ela pedir pão, lhe batera. 
Não sabia bem porque é que havia um pai que não dava pão à filha e, ainda por cima, lhe batia, mas deixou-a ganhar todos os jogos, até vê-la sorrir. 


Haveria de saber que havia muitos pais sem pão para dar aos filhos mas não ainda...


35 comentários:

  1. História dorida, Maria, e dolorosa!! Leva-se cada murro no estômago com histórias como esta!....

    Beijinho.

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    1. Seria bom que nenhuma criança tivesse que passar por isto.

      Beijos, Graça :)

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  2. ~~~
    ~~ O conto é belíssimo, ME!

    ~ Táo real, triste e tocante...

    ~ Beijinhos congratulantes.

    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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  3. Quando somos crianças é difícil imaginar uma realidade diferente daquela que se vive.
    (conhecia a canção de uma outra forma, começava assim dessa mesma forma, mas todo o resto era diferente)

    Beijinhos Tutu

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    1. Pudesse o mundo ser simples como o vê uma criança.

      Beijos, Snowy :)

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  4. Pois, Maria, com essa idade é difícil de entender uma realidade tão cruel.

    Beijinhos

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  5. Durante a infância, há momentos de enorme crescimento. E são esses que, curiosamente, recordamos para toda a vida, e um dia passam a fazer todo o sentido.
    (Fizeste bem, um sorriso de uma criança infeliz vale todos os jogos e brincadeiras de uma vida :))
    Beijos, Marioca :*

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    1. Mas não lhe matei a fome, nem lhe apaguei as marcas... Duro.

      Beijos, Lindinha azul :)

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  6. quem tem amigos assim, acaba por sorrir, mesmo nas contrariedades da vida :)

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    1. Se ao menos fossem sorrisos duradouros, Stormy!!

      Beijocas

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  7. Gostei muito da história em si e como está escrita e é contada.
    um beijinho
    Gábi

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  8. Entendem-se melhor os miúdos
    que os graúdos

    hei-de contar teu conto
    aos meus netos,
    eles gostam de pão...

    (e sempre o tiveram
    e não sei
    se sabem dar valor
    a quem
    o não tem)

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    1. Custa saber de crianças sem pão...

      Beijinhos, Rogério :)

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  9. Respostas
    1. Antes assim não fosse. Antes houvesse pão e paz!

      Beijos, querida, e obrigada :)

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  10. Muito triste quando as crianças descobrem que há Susanas.
    Descobri isso na escola aos seis anos.
    E o carro a pilhas que tinha ganho numa rifa foi dado a um colega que era como a Susana.
    Ajudou?
    Não sei.
    Mas senti que fiz o que era certo, o que era justo.

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    1. Tivemos seis anos num tempo próximo.

      Beijinhos, Pedro :)

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  11. Gostaria de afirmar que eram tempos do passado, infelizmente actualmente ainda acontecem essas situações tristes e dolorosas e há muitas Susanas que sorriem na escola e choram em casa devido a muita pobreza encoberta!:(

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  12. Os verdadeiros amigos ajudam-nos a fazer as pazes com o mundo...

    Um beijinho, Maria :)

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  13. Adorei este teu post !!!
    Fez-me recordar a infância e sensibilizou-me ! Na altura era difícil compreendermos as "diferenças" ! E elas existiam,... e de que maneira ! :(

    Ainda me lembro (mesmo rapaz) de
    Pico pico saramico
    Quem te deu tamanho bico
    Foi a pomba da balança
    Que deu um pulo e pôs-se em França

    Os cavalos a correr,
    as meninas a aprender
    qual será a mais bonita.
    Que se vai esconder?"

    :)

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    1. Muito obrigada, Rui!
      Eram tempos muito duros. Infelizmente, hoje regressa-se a essa dureza.

      (desculpa não ser uma comentadora no teu blogue mas sou uma incompetente em desafios, até enervou)

      Beijinhos :)

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  14. Uma história a contar aos mais novos, tim-tim por tim-tim.
    A lengalenga já é dita às netas embora com pequenas variações.
    E ainda hoje, Maria, persistem meninos de olhos vermelhos. E a vergonha, e a tristeza? De ter fome!!!
    Bj

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    1. A fome dói a quem a tem é a quem vê o sofrimento que causa.
      Como diz o povo: casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.

      Beijinhos, Agostinho :)

      (espero que a maldita dor tenha passado)

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  15. Duras e tristes lições que se aprendem. De certeza que a Susana, apesar de tudo acabou por ficar feliz :)

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  16. Uma dura realidade!!!
    Bom fim de semana
    Um beijo

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