terça-feira, fevereiro 23, 2016

Arder


(Jack Vettriano)


O meu corpo espalha incêndios

Estou certo de que não terás mais
de viver comigo ou com o que resta de mim.
Deixo-me adormecer durante horas para
que saibas que me afasto a passos largos,
com sombras por detrás.

O meu corpo, por onde quer que vá,
espalha incêndios que não me recordo
como apagar - pensar que um fogo assim se
alimenta cresce reproduz-se e morre

e que nada mais deixa a pedir.

Para que hoje eu entre pela porta
bastará que os nossos corpos se encontrem
num lugar onde não vou dizer.

Chegarás, por teu pé, aonde os velhos descansam
e onde cicatrizes rolam pelo corpo
e pela consciência.

Com o tempo, o que não aprendeste
quando nasceste torna-se inerente a ti, torna-se
um braço, uma mão, um dedo que se estende
na memória e que aponta no mapa da cidade
a casa

as paredes e o soalho

as prisões os âmagos de quem partiu de
lá - como nós.

E por hoje, fico com fome.
Pelos caminhos as fogueiras como pequenos faróis
no nevoeiro que levanto ao caminhar

enquanto que os meus pés se tornam
rasgos na estrada e eu me diluo na multidão
para ser escrito.

E um jovem toca-me no ombro e então
desperto e estou próximo a dois passos
do que deixei para trás.


 Sérgio Xarepe - Confluências.




Há um incêndio a cada toque, 
um crepitar de chamas a queimar 
dois corpos numa só 
fogueira. 
Ainda que depois só restem 
cinzas.

38 comentários:

  1. Não sei qual a ciência
    se física ou química
    propaga-se na mímica
    o incêndio do amor

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Há incêndios abençoados por chamas cujas queimaduras se anseiam.

      Beijinhos, Agostinho :)

      Eliminar
  2. Porque a natureza germina com força sob a terra queimada :)

    ResponderEliminar
  3. Há um incêndio a cada toque,
    um crepitar de chamas a queimar
    dois corpos numa só
    fogueira.
    Ainda que depois só restem
    cinzas.

    Magnifico... o universo a conspirar!!! Amei.

    Um beijo Maria

    ResponderEliminar
  4. And dreams keep fading
    And words keep turning in to rust
    The love we are making
    Is just like footprints in the dust

    Teatrum - "Footprints in the dust"

    ResponderEliminar
  5. Enquanto houver chama, há que amar.
    As cinzas são a vida a renovar-se!
    Lindo
    Beijinho Maria.:)

    ResponderEliminar
  6. Um belo poema, sim senhor!

    Saudações poeticas!

    ResponderEliminar
  7. Há desejos de combustão instantânea. Muito bom :)

    Um beijinho, querida Maria :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada, Miss Smile. Haja desejo. Haja intensidade. Haja reciprocidade.

      Beijos :)

      Eliminar
  8. ~~~
    Concordo com Miss Smile...

    Momentos excelentes, como o teu poema, ME.
    ~~Bjnh~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
    ~ ~ ~ ~ ~

    ResponderEliminar
  9. E a vida fica muito mais pulsante mesmo se corremos o risco de nos queimar :))
    Muito bonita, Maria

    ResponderEliminar
  10. Maria, o amor maduro...é a valorização do melhor do outro e a relação com a parte salva de cada pessoa.

    ResponderEliminar
  11. Será amor que arde sem se ver?
    Beijo, Maria Eu ;)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não, Observador. Amor que arde e se pode ver! :)

      Beijinhos

      Eliminar
  12. a temperatura subiu, aqui já é primavera :)

    ResponderEliminar
  13. Não me pronuncio sobre o xarope do Xarepe.
    O frio também queima e pior que isso a carne quente fica colada à coisa gelada. Não falando da dor e da mazela da queimadura nada resta de épico e romântico como as cinzas.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Oh! Não gostaste do poema do Xarepe...
      Sim, o frio também queima e faz doer. Resta esperar que haja um pouco de calor para recuperar.

      Beijinhos, Luís :)

      Eliminar
  14. Não conhecia o poema.
    Gostei tanto! :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também gostei, daí querer partilhá-lo.

      Beijos, Carla :)

      Eliminar
  15. Respostas
    1. Achas, chamas, cinzas, num ciclo que se repete

      Beijinhos, Luís :)

      Eliminar