O menino que carregava água na peneira
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
Manoel de Barros
Lembro-me de o meu pai sorrir quando me viu, um dia, a tentar salvar uma papoila, regando-a. Não usei um regador, nem qualquer recipiente mais usual nesta coisa de regar flores, daí o sorriso. Na minha inocência dos cinco anos e na urgência do salvamento, ia a correr buscar água ao tanque com as mãos em concha.
Quem sabe queria vir a ser amada pelos meus despropósitos.
Daí as papoilas galo galinha ou pinto
ResponderEliminarDaí as cores a mudar na jarra de Eu...
por magia a cada dia
Daí mãos a regar com destemor
plantas sequiosas de amor
Bj , Maria
Agostinho, o teu comentário é uma maravilha! Muito, muito obrigada!
EliminarBeijinhos. :)
Querida Maria Eu,
ResponderEliminarCom 5 anos, não foi despropositada. Foi criança boa. Quem sabe é mulher amada. (Com 5 anos, só queria colhê-las ainda fechadas, para também jogar ao galo, galinha ou pinto, de que fala Agostinho.)
Boa tarde,
Outro Ente.
O sorriso do meu pai aquece-me a alma, agora que o recordo.
EliminarE sim, caro Ente, sou amada, com mais ou menos despropósitos. :)
Boa noite e um beijinho. :)
Querida Maria, com certeza foi isso mesmo. Imaginar-te a correr de mãos em concha e a derramar água pelo caminho é, no mínimo... um despropósito muito fofinho. :-)
ResponderEliminarE fiquei orgulhosa de mim, porque ao ler o poema de Manoel de Barros, antes de chegar ao ponto em que o meu ecrã me mostrou o nome do autor, pensei: isto deve ser do Manoel de Barros. Tirando Pessoa, que é fácil identificar, nunca me tinha acontecido.
Obrigada. :-)
E beijos.
Era mesmo uma menina fofinha... :P
EliminarAh, o Manoel! É paixão antiga minha. Não sei se reparaste no meu header: "Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou ."
Temos mais isso em comum, o gosto por Manoel de Barros.
Beijos, Susaninha. :)
Nem todos sabem carregar água na peneira, nem na concha da mão. :)
ResponderEliminarSó as crianças, os sonhadores e os poetas, Luísa.
EliminarBeijos. :)
... e tornares-te poeta...
ResponderEliminarMuito bonito!!
Uma leitora de poesia e uma sonhadora de palavras, Graça.
EliminarMuito obrigada!
Beijos. :)
A imagem é lindíssima, Maria!
ResponderEliminarE soube tão bem brincar com a criança que já fomos. ;)
Beijos, Maria.
É aquele contraste da papoila vermelha, não é? :)
EliminarAinda vive, essa criança, lá no fundo de nós. :)
Beijos, Isabel.
Pergunto
ResponderEliminarMaria, não conhece o conto
"A Maior Flor do Mundo"?
(belo poema!)
Manoel de Barros também é teu irmão, tenho a certeza! :)
EliminarBeijinhos, Rogério. :)
Eu,
EliminarManoel
e Saramago
somos gémeos
O importante é a intenção, o coração.
ResponderEliminarSim. :)
EliminarBeijinhos, Pedro. :)
O menino, entretanto, cresceu. De dia constrói casas sobre sólidas fundações de rocha e betão. À noite parte sem destino pelos caminhos outrora percorridos por santos e peregrinos, de olhar levantado para estrelas brilhantes. Por vezes, durante o dia, dá por si a vaguear pelos caminhos, num esforço constante para não deixar que a casa caia :)
ResponderEliminarTu és muito despropositado, não és, Ness? :D (shiu, não digas que também és poeta)
EliminarBeijinhos. :)
Talvez se possa dizer que a criatividade seja o que resiste em nós do prazer de brincar da nossa infância perdida. A isso juntam-se habilidades específicas e o domínio de técnicas aprendidas.
ResponderEliminarMaria, buscar água ao tanque com as mãos em concha, talvez tenha sido um despropósito com um dos mais belos propósitos!:))
Acho que, ainda hoje, transporto água nas mãos em concha algumas vezes. :)
EliminarBeijinhos, Legionário. :)
"Um passarinho pediu a meu irmão para ser a sua árvore.
ResponderEliminarMeu irmão aceitou ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola."
Manoel de Barros
São os despropósitos que tornam o mundo mais fácil de se viver
Um beijinho, Maria das Papoilas :)
E como Manoel de Barros fazia bela cada palavra!
EliminarBeijos, querida e doce Miss Smile.:)
Despropósitos e peraltagens; que atitudes mais maduras haverá que nos levem além da ruína e da destruição e nos resgatem sãos e salvos?
ResponderEliminarBeijos Maria Eu!
Apetece ser despropositado, não achas, Luís?
EliminarBeijinhos. :)
Uma ternurinha, levar a água nas mãos.
ResponderEliminarBjs
Aos 5 anos quem não é terno?
EliminarBeijos, papoila. :)
Bonita poesia, bonito texto e bonita imagem e Shankar, às vezes fico horas a ouvir a família ! :)
ResponderEliminarTenho de contar a história. Trabalho numa multinacional e aqui há uns anos, quando pela primeira vez, tive necessidade de falar com um colega na Índia, reparei que ele tinha o apelido Shankar. "Naivemente" perguntei-lhe se ele era da familia do Ravi Shankar... Fiquei a saber que o nome Shankar é um apelido idêntico aos Silva em Portugal !!! ... Calinas !!! :)))
Obrigada, Ricardo, também pela curiosidade.
EliminarBeijinhos. :)
Que doçura :)
ResponderEliminarNão tenho dúvidas do amor que esses teus despropósitos suscitaram...
Beijinho
Tu é que és doce, bela ciclista! :)
EliminarBeijos. :)
Não tem muito a ver, mas lembrei-me da cena dum filme:
ResponderEliminarÉ como beber água do mar. Quanto mais bebo, com mais sede fico. Até que nada aplaca a minha sede, a não ser beber o oceano inteiro.
Ai tem a ver, tem! Quanto mais se beija, mais se quer beijar. Nada nos faz ficar fatos de beijos até os darmos todos, ou seja, nunca! :D
EliminarBeijocas, Luís. :)
~ ~ ~
ResponderEliminar~~~~~~~~~~~~~ B e l í s s i m o !
~ Poema, música e texto de excelente qualidade...
~~~~~~~~~~~~~ Adoro papoilas
desde pequenina; o acrílico está lindo e radiante.
~~~ Beijinho. ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Muito obrigada, Majo! :)
EliminarBeijos. :)
Ah Maria! Então não é que cliquei no botão errado e tirei-te da lista das minhas leituras preferidas!
ResponderEliminarJá voltei a seguir-te, por isso, não estranhes de me veres ali primeirinha da tua lista.
Isto das mulheres que se metem a mexer nos computadores nem sempre corre bem... :))
Um beijo (não vás tu na linha de pensamento da Isabel Pires ;)
E fica ali muito bem, a tua foto! :)
EliminarBeijo, Carla.:)