(Charles Courtney Curran)
Ao nono dia de clausura, entristeceu. As janelas tinham perdido luz e o alento de trespassá-las com o olhar desvanecera-se. Descalçara-se para ouvir o silêncio. Deitou-se em cima da cama feita de lavado pela Elisa. Nunca soubera o que usava para lavar a roupa que deixava nela o cheiro da sua infância. À memória, acorriam os estendais enormes, de arame, com milhentas pregadeiras de madeira a esticarem os lençóis alvos depois de serem esfregados no tanque. Encantava-a ver as mãos sábias das mulheres a esfregar a roupa na pedra do lavadouro, as mesmas mãos que a içavam para que se pudesse sentar no rebordo mais largo. Achavam-lhe graça, assim pequena, toda alegre, sempre a fazer perguntas e a gargalhar a cada salpico que a atingisse. Mas agora era a Elisa que lavava a roupa na máquina e não havia como ela lhe pegar ao colo. Também não podia rir com os salpicos da água, a não ser que a dita máquina avariasse ou, sei lá, fosse alvejada por um daqueles cowboys dos filmes que (re)via de quando em vez, deixando-a cheia de buracos. O cheiro. Era do cheiro de que queria lembrar-se. De olhos fechados rememorava cada gesto. O pousar da bacia vermelha ajoujada de roupa, as mãos que separavam lençol a lençol entrando na água com eles nas mãos, a dança agitada, o ensaboar com sabão azul. Era isso! Sabão azul! No dia seguinte perguntaria à Elisa onde tinha arranjado sabão azul para lavar à máquina.
Ah, o cheiro da infância!
ResponderEliminarSaudades de Elisa (minha mãe). Chorei ao ler-te. Obrigado por me trazeres memórias tão boas.
Beijinho Maria.:))
Mãe falta até ao osso!
EliminarUm beijo muito terno, SD, e eu é que agradeço. :)
Ah, este é mesmo ao meu gosto! Memórias da infância, mulheres na lida da roupa e o maravilhoso Shadows! Que cheirinho a lavado...
ResponderEliminarE foste tu a dar o mote!
EliminarBeijos, MC. :)
Que doces e cheirosas memórias me fizeste recordar Maria. Há cheiros que nos ficam para sempre. Beijinho :)
ResponderEliminarÉ como o do açúcar queimado no leite-creme...
EliminarBeijos, GM. :)
Na casa da minha infância
ResponderEliminarhavia odores assim
Um dia
ainda agarro em mim
me meto debaixo do chuveiro
e me esfrego prazenteiro
com um sabão assim...
:))
Há quem o faça! Olha, o Luís, ali em baixo! :D
EliminarBeijinhos, Rogério. :)
Dizem que esse sabão azul e branco continua a ser o melhor para a pele e o cabelo. Dizem, que eu já ouvi que o sabão macaco ainda era melhor :) O saudoso cheiro é que ficou como uma trombeta azul ou um Clarim a corar no chão afagado pelo sol baixo.
ResponderEliminarBoa noite, Maria :)
Ah, o Clarim! Também o havia mas era muito "fino". Só era usado para roupas mais delicadas.
EliminarBeijinhos, Paulo, e obrigada pela visita e pelas palavras. :)
Esses cheiros ficam.
ResponderEliminarE Trazem à memória momentos que julgávamos definitivamente esquecidos.
Bjs, bfds
São cheiros tácteis.
EliminarBeijinhos, Pedro. :)
Sabão azul e branco, ainda hoje é usado.
ResponderEliminarAlegre quadra de Festas, bom Natal, feliz 2016 e um grande abraço :)
E bonito, também.
EliminarBoas Festas para ti, também, São!
Beijos. :)
O lavadouro ainda lá está, agora integrado no parque público. O mesmo aconteceu a tantos outros e outros ainda estão votados ao esquecimento, talvez à espera de novos programas de despesa intensiva do estado depauperado.
ResponderEliminarEsteja no estado em que estiver, o teu merece uma nova visita, com cheiro mesmo sem cheiro, que o sentimos só de olhar, sem tristezas pois os dias de clausura servem para fazer planos de caminhadas e pedaladas e comezainas e bebezainas retemperadoras :)
Ness, os teus comentários, às vezes, são cheios de poesia!
EliminarBeijinhos. :)
O olfacto é uma verdadeira máquina de viagem no tempo. Aprendi isso com os bolinhos do Proust num tempo em que não estava interessado em viajar no tempo e me interessavam mais os admiráveis mundos novos e o que seria 1984 e como seriam os 25 anos do Jonas no ano 2000. Bem,já estou a viajar no tempo. Só queria dizer que voltei ao sabão azul e branco. Nem sabonete nem champô. Aparte disto acrescento ainda que o meu pai contra a vontade da minha mãe que achava que era dinheiro deitado à rua, comprou uma máquina de lavar roupa para que ela nos dias breves de Inverno não tivesse de lavar a roupa na água gelada do tanque em plena noite escura. Isto aconteceu naquele tempo em que eu procurava saber se as madeleines do Proust eram queques ou bolos de arroz, coisa manifestamente irrelevante para a digestão do tempo perdido.
ResponderEliminarJá reparaste que a Miss Smile também se lembrou dos bolinhos do Proust? E, naquela época, nós nem sabíamos bem o que eram madalenas, o que nos atraía eram os bolos de arroz com aquela crostazinha de açúcar... Saudades do tempo em que os livros eram ainda mais importantes. Uma parte integrante do crescimento!
EliminarBeijinhos, Luís. :)
Que delicioso testemunho, Maria.
ResponderEliminarNão tenho memórias de infância dignas de registo. Lamentavelmente os meus pais tinham vida profissional demasiado ocupada. E o dia-a-dia numa cidade não tem o perfume de roupa lavada com sabão de barra azul. Acho que também o há em rosa.
Fica um beijo, Maria.
Sim, também o há em rosa. :) Nos bidés lá de casa, era o sabão rosa que primava.
EliminarBeijos, Sandra, e obrigada. :)
Este belo texto fez-me lembrar as madalenas de Proust. Há memórias olfativas que nos devolvem pedaços da nossa história, como se abríssemos uns frasquinhos esquecidos a um canto da alma.
ResponderEliminarUm beijinho, Maria e um dia feliz :)
Como já disse acima, ao Pedro, são memórias olfactivas tácteis. :)
EliminarBeijinhos, Miss sorridente. :)
Bem que eu sabia que as vidraças cansam a vista e que, depois, mesmo que se olhe não se avista.
ResponderEliminarRealmente, Maria, não há como fazer exercícios de imaginação deitado na cama. Lembras-te do ponto e do risco ? Sei que sim mas a (redescoberta dos cheiros é surpreendente; eles vêm de tão longe que há gente que não tem forma de percebê-los, quanto mais tê-los a tocar-lhe nos olhos a tocar-lhe dilatar-lhe as narinas de flores.
Tão bonito isto que aqui puseste e que fizeste de repente sentir toda aquela chilreada das lavadeiras, dos ditos e do cheiro .
Se fiquei assim, se não te importas,deixa-me alinhar, sem plágio, umas palavras bem ensaboadas, coradas ao sol. Só para recordar.
Bj .
Importar-me? É uma honra!
EliminarBeijinhos, Agostinho. :)
O alinhavo está péssimo, cheio de asneiras de criar bicho. Tenho a mania de escrever e nem sequer leio no fim. Quando comento no smartinho - nem as letras se vêem - a coisa ganha asas e voa. Palavras trocadas pela escrita dita "inteligente", pontuação, frases exdrúxulas... Mas tu perdoas-me.
EliminarBj
O cheirinho do sabão azul é como o da papa Cerelac, da praia e da resina: são transversais à infância de muitas gerações...
ResponderEliminar:)
Beijinhos, Maria. E um fim de semana feliz.
Ah, Linda, eu ainda comi sopa. Qual Cérélac, qual quê! Na aldeia era mesmo o leite materno e a sopinha.
EliminarBeijos, Lindinha azul. :)
~~~
ResponderEliminar~ Aroma a limpeza, sol e a dias perfeitos, de tão inocentes e felizes.
~~~ Que estes seus dias sejam assim - fantásticos!
~~~~~~~ Beijinhos amigos. ~~~~~~~
~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~
Infelizmente, a inocência não se recupera!
EliminarObrigada, Majo, e um beijinho. :)
Cheiros que desencadeiam passados diversos. Quando visito algum local pela primeira vez, a primeira coisa que faço é tentar diferenciar e memorizar o cheiro desse local.
ResponderEliminarÉ como um marcador de memória.
EliminarBeijos, Catarina. :)
É a 1ª vez que visito o seu bloh.
ResponderEliminarAproveito a oportunidade para lhe desejar um excelente Natal!
*E poderá ver omeu v+ideopoema Natal dos sem Abrigo
em
http://vieiracaladolivrosvideo.blogspot.com~~
Obrigada pelos seus votos que retribuo.
EliminarBoa noite, VC. :)
Ai caraças, trouxeste-me tantas recordações...
ResponderEliminarEspero que das boas, Maria!
EliminarBeijos.:)