sexta-feira, maio 26, 2017

Begónias no passeio

(Philip Guston)

A rapariga da muleta deixou cair a muleta.
O fogo espalhou-se, abriram-se
as borboletas
num susto evidente,
fizeram fila os táxis.
Os prédios mais altos, tão francos,
tão estruturalmente com varandas,
tão soprados
pelo soluço dos que nascem.
As borboletas cada vez mais altas,
as borboletas sem táxi, a varanda que caiu
com as flores intactas
da tua febre. Tenho agora o desastre
da tua roupa no meu chão,
o sangue feliz.


Vasco Gato





Espantou-se com as begónias que, sem mais nem porquê, cresciam no passeio esburacado. Ainda ontem era um deserto de pedras irregulares com arestas duras, ratoeiras para os passantes mais incautos. Perguntou à rapariga de vestido branco quem plantara as flores assim, tão de repente. Pois que ninguém sabia, respondeu-lhe com os olhos brilhantes e felizes, mas tinham sido vistas dezenas de borboletas coloridas, em dança rodopiante pela rua. Fora enquanto elas dançavam que uma varanda caíra e espalhara flores pelo chão cinzento. Havia também quem afirmasse ter visto o amor, de sorriso nos lábios e gestos doces, a regar as begónias noite dentro, enquanto no quarto da varanda que cedera, Maria e José se perdiam, como que trémulos de febre, em carícias mil.

14 comentários:

  1. You definitely know how to talk with me . . .
    a perfect weekend post. Love the art, love
    the tune (almost electronica), and always sexy.
    Have a great weekend.
    😘

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    1. It's all around the topic of a poem by Vasco Gato.

      Kisses, Rick :)

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  2. Há tanto tempo que não te visitava Maria.
    Deixo um beijinho:)

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  3. Um excelente poema de Vasco Gato e uma prosa poética maravilhosa. Foi um gosto ler....
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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    1. Muito obrigada, Graça! Vindo de uma poetisa como tu, sabe muito bem!

      Beijos, e um bom Domingo :)

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  4. Belíssimo texto que reinventa o poema. Muito bom!! E a imagem é LINDÍSSIMA!!

    Parabéns pelo conjunto no seu todo.

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  5. Chapelada para um texto de rara beleza!
    Boa semana

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  6. Surrealisticamente pensei que disse, Maria, não sei o que fiz.
    Senti por aqui um tremor. Terá sido essa a razão pela qual a varanda no chão se fez um jardim? Ainda bem que sim.
    Excelente trabalho, a começar no poema do de Vasco Gato e, depois, a recriação em prosa nos aromas a que nos habituaste.
    Bj.

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    1. Agradeço as tuas palavras, Agostinho, sempre tão gentis.

      Beijinhos e um excelente Domingo :)

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  7. O texto continua tão perfeitamente a beleza do poema... Que lindo, Maria :)

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