sexta-feira, maio 20, 2016

Depois do Sul (3)


Naquela noite e em muitas outras que se lhe seguiram, dormiu numa casa de madeira que os pescadores costumavam usar para guardar redes. Sim, ela também tinha a sua e ali a guardava, junto às outras, as que prendiam nas suas malhas peixes prateados e, por vezes, polvos, chocos, lulas, até um tubarão, segundo o Toino da Ana Mar. "Sim, menina, um tubarão martelo, com a sua nadadeira dorsal alta a destacar-se na malha larga, os olhos ferozes e o corpo em luta. Deixá-mo-lo ir. É poderoso para lá da conta, o bicho! Nem nos atrevemos a cravar-lhe o arpão! Mas o pior, menina, o pior são as moreias. Agarram-se a um braço ou a uma perna de um homem que nunca mais somos senhores deles! Traiçoeiras, as cobras gigantes do mar!"
Os dias eram passados em longas caminhadas na areia, procurando a zona molhada, vendo as suas pegadas misturar-se com as das gaivotas, enfeitadas por algas, conchas, seixos. Depois, havia a cegonha. Chamara-lhe Flidais, como a deusa celta, já que esta tinha o poder de se metamorfosear em qualquer animal e aquela ave imponente e tranquila parecia olhá-la de maneira peculiar e protectora.
O Sul não era o que ela esperava. O azul tardava em aparecer e o vento não lhe dava tréguas. Usara a adaga para tudo um pouco: transformar as botas numas sandálias, amanhar peixe para grelhar numa fogueira sobre as dunas, descascar mangas e, até, ameaçar um ou outro mais atrevido que vinha rondar-lhe a porta de madeira sem fechadura.
Foi na manhã em que Flidais levantou voo e voltou a cabeça para a olhar, como a dizer-lhe que a seguisse, que alisou o vestido vermelho no corpo, pintou os lábios, pegou na adaga e na rede e partiu. Não estava certa de qual o seu destino, só o soube quando a cegonha, sábia como só ela, poisou no topo de uma chaminé, bem ali, no Centro, junto de duas oliveiras perfeitamente simétricas, uma ao lado da outra. a bastante distância para pendurar a rede.


28 comentários:

  1. I love the Bird Girl, and this fantastic music video.
    Thanks for sharing, Music Girl.
    xo

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  2. ~~~
    Então, uma cegonha fada-madrinha...
    Seria bom que o dono das oliveiras fosse um príncipe.
    Está interessante, ME. Espero o desfecho.

    ~~~ Beijinhos. ~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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    1. Huuummmm... Não sei se haverá príncipes na história...

      Beijos, Majo :)

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  3. Fica-te bem, o voo, Maria.
    Vestido o vermelho
    a narrativa encontra
    o desejo do Sul.
    No branco da cegonha
    volta a paz nas gémeas.

    Abri os olhos e vede
    entre as oliveiras a rede
    onde embalo os sonhos

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    1. Chegou a hora de pendurar a rede e descansar.

      Beijinhos, Agostinho :)

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  4. É muito fácil deixar-se levar pela corrente sem saber... para onde se está indo;)

    Bom fim de semana, Maria :))

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    1. Busca. Há um caminho a percorrer.

      Beijinhos, Legionário :)

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  5. polvos... pois... outra com rede! :)
    amei, pra lá de tanto e muito

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    1. Uma rede de malha larga, Manel! :)

      Obrigada. Muito.

      Beijocas :)

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  6. Uma rede pode ser um jardim suspenso :)

    Um beijinho, Maria

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  7. Começo a sentir a ansiedade do folhetim que dizem ter existido quando as novelas vinham no jornal diário e no seu dia de saída do novo episódio se ía ao encontro do ardina aflitinhos de tanta espera.

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  8. Uma forma de narrar fantástica. Que nos faz ir com a gaivota e adormecer na rede entre as oliveiras...
    Beijo.

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  9. Na certa a chamou, na certa a levou para algum lugar, na certa ela gostou de ir. Beijinho Maria

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  10. Eu leio "cegonha" e tenho logo a imagem mental do saquinho de pano, pendurado do bico :)
    Beijocas, Marioka.

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