(Betty Pieper)
Nem sabia porque entrara ali há uns
bons vinte anos. Era Agosto, o calor insuportável da cidade, cada vez
mais de betão, instalara-se de armas e bagagens e quase não saía de
casa, a não ser para uma incursão rápida ao supermercado ou à
frutaria Leal. Foi junto à frutaria, Leal do nome herdado do Sr.
João, homem de rubicunda barriga e bigode farfalhudo, que reparou
pela primeira vez no modesto letreiro a preto e branco. Lia-se, ao
lado do desenho de uma tesoura de considerável dimensão:
Cabeleireiro Mimar – Beleza e Elegância.
O cabelo estava mesmo precisado de
cuidados, farto de sol e água salgada. Olha, nem é tarde nem é
cedo, vou-me às mãos de Mimar!
Fui recebida por um alegre bom dia de
uma senhora pequenina, olhar vivíssimo e sorriso rasgado.
A Sr.ª deseja alguma coisa?
Bom dia! Lavar e secar, pode ser?
Claro que sim! Faça o favor de entrar!
Sente-se!
E foi nas mãos seguras e suaves da
Dona Clotilde que me entreguei sem medos. Da amena mas curta
conversa, fiquei ciente da pouca afluência àquele espaço.
É humilde, sabe? E como sou um
bocadinho velhota, acho que as senhoras e as meninas não se sentem
tentadas a entrar...
Não me pareceu assim. Um pouco
antiquado, de facto, o salão, mas espaçoso e com muita luz a entrar pela
ampla janela. Sofás azuis (pronto, não muito bonitos) e armários
brancos onde pontu(av)am uns malmequeres de onde em onde, muito anos
sessenta. Mas as mãos! Ah, as mãos da Dona Clotilde eram de fada!
Lavou-lhe o cabelo com três porções de champô, amaciador a deixar
um perfume maravilhoso, e secou-lho com escova de pêlo de
javali nuns escassos 20 minutos. Melhor do que isso, ainda, sem
conversas sobre o jet set das revistas cor de rosa, ou acerca das clientes
mais ou menos satisfeitas. Só o amplo sorriso e o secador a aflorar
o cabelo que ia enrolando na escova. Ao perguntar o preço, nem dava
para acreditar!
Pois que é assim, minha Sr.ª! Nem
pense em dar mais! É o que eu levo. Pode ser que fique minha
cliente!
Já passaram muitos anos. A Dona Clotilde já dobrou os setenta há sete anos e continua ali, firme, a
enrolar cabelos numa escova de pêlo de javali.
Então, ainda consegue estar tanto tempo
de pé? Tem que pensar em descansar!
Eu? Nem pensar! Isso é para as
velhotas do lar onde vou fazer voluntariado!
E ri-se à gargalhada, comigo a
acompanhá-la.
* inspirada nos posts da Mãe Preocupada e do Pipoco Mais Salgado
Que riqueza de texto. Adorei:))
ResponderEliminarBoa noite.
Hoje:- O coração não mente...
Bjos
Votos de um óptimo fim-de-semana
A Dona Clotilde agradece! :)
EliminarBeijo, Larissa
Nota dez (sobre dez, claro) para esta cabeleireira. :)
ResponderEliminarE o que ela merece, Luísa!
EliminarBeijo :)
EliminarÓ Amiga... só tu! 😘
Sabes que quando o Universo junta duas pessoas especiais (neste caso Tu e Ela)... não o faz por acaso!
Beijinhos especiais
(^^)
(Obrigada pela música. Ficava bem lá no meu abandonado "SMOOTH...")
É uma alegria, gargalhar com a Dona Clotilde!
EliminarBeijocas bem penteadas, Clarinha :))
Mesmo... nota mil!
ResponderEliminarPelo encantamento da historia e pelo respeito ao ser humano!!
Não há velhice... quando se quer!!!
Beijos Maria!!!
A Dona Clotilde merece tudo! Ela é o exemplo de que não há idade que nos impeça de fazer o que gostamos. Que tenha saúde ainda uns bons anos para continuar!
EliminarObrigada, PDR.
Beijinho :)
Pois! Assim, sim. Quem me dera ter encontrado também uma Dona Clotilde, nunca mais a largava, e, ainda seria egoísta ao ponto de não lhe dar ideias sobre a necessidade de descansar ;-)
ResponderEliminar(na verdade, conheci duas "Donas Clotildes", mas tive tanto azar que, quando as encontrei, uma estava prestes a ir viver para outro país com o marido que tinha recebido uma muito boa proposta de trabalho e a outra estava a ultimar os preparativos para vender o cabeleireiro a um banco)
Olá, Maria!
É do melhor, ter alguém assim a cuidar-nos do cabelo e encantar-nos a alma!
EliminarOlá, Cláudia! Beijo :)
Há pessoas assim, que nos fazem sentir vergonha quando nos queixamos… Muito bem narrado, o seu texto.
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
Mesmo, Graça!
EliminarMuito obrigada!
Uma excelente semana.
Beijo :)
Que beleza, Tutu, essa tua sensibilidade ao olhar os outros :*
ResponderEliminarQuerida, a Dona Clotilde é que desperta ternura!
EliminarObrigada!
Beijo repenicado :)
A escova de pelo de javali é que mantém a D.Clotilde firme no seu posto. Aposto que não vai a workshops a cruzeiros profissionais, nem a congressos de tesoura porque o jeito vem-lhe do berço.
ResponderEliminarGostei, Maria.
Beijo.
Tudo conforme aprendeu noutros tempos! :)
EliminarObrigada, Agostinho!
Beijinhos :)
Hoje é só para dar conta do meu regresso à blogosfera.
ResponderEliminarBeijinho, Pedro! :)
EliminarExcelente !!! Obrigado Maria
ResponderEliminarMuito obrigada, Ricardo!
EliminarBeijinhos :)
São as Donas Clotilde que nos ligam ao mundo que interessa.
ResponderEliminar(escova de pêlo de javali é coisa de valor?)
Ah, se são, caro Pipoco!
Eliminar(é de muito valor) :)