sábado, julho 13, 2019

Cabeleireiro Mimar – Beleza e Elegância


(Betty Pieper)


Nem sabia porque entrara ali há uns bons vinte anos. Era Agosto, o calor insuportável da cidade, cada vez mais de betão, instalara-se de armas e bagagens e quase não saía de casa, a não ser para uma incursão rápida ao supermercado ou à frutaria Leal. Foi junto à frutaria, Leal do nome herdado do Sr. João, homem de rubicunda barriga e bigode farfalhudo, que reparou pela primeira vez no modesto letreiro a preto e branco. Lia-se, ao lado do desenho de uma tesoura de considerável dimensão: Cabeleireiro Mimar – Beleza e Elegância.
O cabelo estava mesmo precisado de cuidados, farto de sol e água salgada. Olha, nem é tarde nem é cedo, vou-me às mãos de Mimar!
Fui recebida por um alegre bom dia de uma senhora pequenina, olhar vivíssimo e sorriso rasgado.
A Sr.ª deseja alguma coisa?
Bom dia! Lavar e secar, pode ser?
Claro que sim! Faça o favor de entrar! Sente-se!
E foi nas mãos seguras e suaves da Dona Clotilde que me entreguei sem medos. Da amena mas curta conversa, fiquei ciente da pouca afluência àquele espaço.
É humilde, sabe? E como sou um bocadinho velhota, acho que as senhoras e as meninas não se sentem tentadas a entrar...
Não me pareceu assim. Um pouco antiquado, de facto, o salão, mas espaçoso e com muita luz a entrar pela ampla janela. Sofás azuis (pronto, não muito bonitos) e armários brancos onde pontu(av)am uns malmequeres de onde em onde, muito anos sessenta. Mas as mãos! Ah, as mãos da Dona Clotilde eram de fada! Lavou-lhe o cabelo com três porções de champô, amaciador a deixar um perfume maravilhoso, e secou-lho com escova de pêlo de javali nuns escassos 20 minutos. Melhor do que isso, ainda, sem conversas sobre o jet set das revistas cor de rosa, ou acerca das clientes mais ou menos satisfeitas. Só o amplo sorriso e o secador a aflorar o cabelo que ia enrolando na escova. Ao perguntar o preço, nem dava para acreditar!
Pois que é assim, minha Sr.ª! Nem pense em dar mais! É o que eu levo. Pode ser que fique minha cliente!
Já passaram muitos anos. A Dona Clotilde já dobrou os setenta há sete anos e continua ali, firme, a enrolar cabelos numa escova de pêlo de javali.
Então, ainda consegue estar tanto tempo de pé? Tem que pensar em descansar!
Eu? Nem pensar! Isso é para as velhotas do lar onde vou fazer voluntariado!
E ri-se à gargalhada, comigo a acompanhá-la.

* inspirada nos posts da Mãe Preocupada e do Pipoco Mais Salgado



22 comentários:

  1. Que riqueza de texto. Adorei:))
    Boa noite.

    Hoje:- O coração não mente...

    Bjos
    Votos de um óptimo fim-de-semana

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  2. Nota dez (sobre dez, claro) para esta cabeleireira. :)

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    1. E o que ela merece, Luísa!

      Beijo :)

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    2. Ó Amiga... só tu! 😘
      Sabes que quando o Universo junta duas pessoas especiais (neste caso Tu e Ela)... não o faz por acaso!

      Beijinhos especiais
      (^^)

      (Obrigada pela música. Ficava bem lá no meu abandonado "SMOOTH...")

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    3. É uma alegria, gargalhar com a Dona Clotilde!

      Beijocas bem penteadas, Clarinha :))

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  3. Mesmo... nota mil!
    Pelo encantamento da historia e pelo respeito ao ser humano!!
    Não há velhice... quando se quer!!!
    Beijos Maria!!!

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    1. A Dona Clotilde merece tudo! Ela é o exemplo de que não há idade que nos impeça de fazer o que gostamos. Que tenha saúde ainda uns bons anos para continuar!
      Obrigada, PDR.

      Beijinho :)

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  4. Pois! Assim, sim. Quem me dera ter encontrado também uma Dona Clotilde, nunca mais a largava, e, ainda seria egoísta ao ponto de não lhe dar ideias sobre a necessidade de descansar ;-)

    (na verdade, conheci duas "Donas Clotildes", mas tive tanto azar que, quando as encontrei, uma estava prestes a ir viver para outro país com o marido que tinha recebido uma muito boa proposta de trabalho e a outra estava a ultimar os preparativos para vender o cabeleireiro a um banco)

    Olá, Maria!

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    1. É do melhor, ter alguém assim a cuidar-nos do cabelo e encantar-nos a alma!

      Olá, Cláudia! Beijo :)

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  5. Há pessoas assim, que nos fazem sentir vergonha quando nos queixamos… Muito bem narrado, o seu texto.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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    1. Mesmo, Graça!
      Muito obrigada!
      Uma excelente semana.

      Beijo :)

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  6. Que beleza, Tutu, essa tua sensibilidade ao olhar os outros :*

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    1. Querida, a Dona Clotilde é que desperta ternura!
      Obrigada!

      Beijo repenicado :)

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  7. A escova de pelo de javali é que mantém a D.Clotilde firme no seu posto. Aposto que não vai a workshops a cruzeiros profissionais, nem a congressos de tesoura porque o jeito vem-lhe do berço.
    Gostei, Maria.
    Beijo.

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    1. Tudo conforme aprendeu noutros tempos! :)
      Obrigada, Agostinho!

      Beijinhos :)

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  8. Hoje é só para dar conta do meu regresso à blogosfera.

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  9. São as Donas Clotilde que nos ligam ao mundo que interessa.

    (escova de pêlo de javali é coisa de valor?)

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