Maria da Luz começara a juntar as letras com três anos. Um dia, sentada à mesa, enquanto os pais se entretinham a falar de como fora o seu dia, exclamou: “Aceite virgem Galo!”
A mãe riu-se e
perguntou “– Oh, Milú, o que é isso? Azeite?”
“Ali, mãe! Diz ali, na
garrafa de aceite!”, ripostou a
criaturinha de 95 centímetros e caracóis loiros, de dedo espetado para o rótulo
da garrafa que repousava na mesa, junto do seu prato.
“Oh, Milú, lê aqui
isto!”, pediu o pai, mostrando-lhe a impressão numa caneta que retirou do bolso da camisa.
“Escola de Ano Bom”,
leu a pequenina.
Nessa noite, sentada
na cama entre o pai e a mãe, leu uma página inteirinha do Capuchinho Vermelho.
A cabeça ornada por
uma longa cabeleira loira parecia não se mover há horas. Na ampla sala da
biblioteca, apenas aquela mulher lia com tanta concentração. O seu registo era,
de longe, aquele em que mais entradas constavam. Havia romances, biografias,
poesia, História e, no início, contos de fadas e de aventuras. Milhares de
livros, milhares de milhões de palavras!
Só na hora de
encerrar, a bibliotecária, estranhando a demora da leitora, se aproximou,
verificando que os cabelos loiros se espalhavam pela mesa, cabeça e mãos
caídas, o livro derradeiro a amparar-lhe a face pálida.
Consta que o coração lhe quis dar um fim naquela sala. Diz-se, também, que houve um ruído imenso de palavras sussurradas quando lançaram as suas cinzas no jardim da Biblioteca, levantando uma revoada de pássaros, numa desgarrada de chilreios.
Nunca me vi
ResponderEliminara mim
pensando em cenários
para a minha morte
mas ... numa biblioteca
não seria má ideia
Concordo, Rogério! Haja bibliotecas e leitores!
EliminarBeijinhos :)
PURA PROSA POÉTICA!
ResponderEliminarBjs, bfds
Muito obrigada, Pedro!
EliminarBom fim de semana!
Beijinhos :)
Maria
ResponderEliminarOriginal e bela, a história da menina (ou meninas?)!
Gostei muito da música, que ouvi pela primeira vez!
Obrigado
Menina(s) de letras. :)
EliminarObrigada, Petrus e um beijinho.
Um imaginário poético com livros . Posso imaginar os caracóis louros a espalharem-se pela mesa. Quase que posso ouvir o sussurrar das palavras... Lindíssimo texto!
ResponderEliminarUma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
Obrigada, Graça, muito!
EliminarQuem ama as palavras gosta de histórias com elas. :)
Beijo e saúde para ti, também! :)
Numa altura em que tanto se fala de morte, essa, pelo menos, seria mais serena.
ResponderEliminarBeijinho
Morte pedida por coração de leitora.
EliminarBeijo, GM :)
Uma morte, assim, tão poética... Até afasta o receio que se tem dela.
ResponderEliminarHaja mortes assim. Acho que tu escreverias uma com mar ao fundo.
EliminarBeijo, Luísa :)