quinta-feira, dezembro 05, 2019

Reencontro


Olharam-se de relance e prosseguiram o seu caminho em passo menos célere. Estacaram, ambas. 
Quando retrocederam, os olhos brilhavam no reconhecimento das adolescentes de outrora.
Clara?
Maria?
Um abraço imenso com mais de quarenta anos de premeio quase as deixava sem fôlego. 
Depois. Depois, foi uma catadupa de palavras, com risos e lágrimas à mistura, que não era para menos, caramba. Tantos anos! Tanta vida! 
Em comum, tinham o frio da camarata, os joelhos azulados dos bancos corridos da capela, os livros de banda desenhada e as fotonovelas dissimuladas pelos livros escolares na sala de estudo, os ralhetes das freiras pelas conversas nas aulas de religião e moral (valeram-lhes um Suf.- a destoar do Muito Bom de todas as outras) e o castigo quando as apanharam em flagrante a espreitarem pela janela, em poses de crescidas, para os rapazes do externato. Ah! Mas também houvera os fins de semana na casa uma da outra, metidas na mesma cama, na treta, até de madrugada; os segredos partilhados das paixões assolapadas, embora platónicas; os cigarros roubados em casa e fumados no meio dos arbustos, a que se seguia uma boa esfregadela de dentes com casca de laranja, não fosse o cheiro denunciá-las; as roupas trocadas; os batôns e os lápis dos olhos comprados em comum e, acima de tudo, o calor de uma amizade imensa, cortada abruptamente pela morte do pai de Clara, que a levara a abandonar o colégio e a partir para a Austrália com a mãe.



12 comentários:

  1. Que memórias me trouxeste, Maria, com este belíssimo texto sobre uma amizade reencontrada.
    Quem não teve uma amiga assim, como se fosse uma irmã, a quem tudo contava e com quem tudo partilhava?
    E as fotonovelas... já nem me lembrava, mas li muitas.
    E as conversas pela noite fora, com as mães a mandarem-nos calar "vão mas é dormir meninas, amanhã logo acabam a conversa", e nós na risota, a tentar falar baixinho...

    O vídeo é uma pérola: tão bonito que até dói :)

    Beijo e bons sonhos!
    🎄
    Maria

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    1. Somos parecidas, não é? :) Já tinha reparado! :)

      Beijos, homónima. :)

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  2. Esses reencontros fazem bem à alma.
    Tive vários em Outubro.
    Bfds

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  3. Todas as (sérias e íntimas) amizades
    se fazem com desafiantes cumplicidades

    e dói a separação

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  4. De repente no meio do nada duas estradas cruzam-se. Se escorrem incautas as vidas sem destino como se faz acontecer?
    Por mais tino que haja a coincidência que narras acontece com a frequência do improvável da chuva no deserto. Deserto se está por contrariar esse facto. O facto é que mesmo não acreditando...
    Bom texto, Maria.
    Beijo.

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    1. A amizade não morre e, de facto, há coincidências muito boas!

      Beijinhos, Agostinho :)

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  5. Que reencontro tão cheio de cumplicidades! Maravilhosa história de uma amizade.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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    1. Encontros que aquecem a alma, Graça!

      Beijos e obrigada! :)

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